Eu cheguei no último dia de evento com duas expectativas: mergulhar profundo no palco creatiff e ouvir Sonia Guajajara no palco principal. Somente a primeira se concretizou. Sem esclarecimentos, a participação da ministra sumiu da programação e não aconteceu. Em contrapartida, o palco creatiff trouxe tudo que eu estava esperando desde o primeiro dia. Um pouco tarde demais, talvez.
Os criativos vão mudar o mundo Eu já cantei essa bola há alguns anos quando escrevi aqui que o mundo vive um grande reset, e ninguém se sente tão estimulado diante de uma tela em branco do que os criativos. Os arquitetos, designers, artistas, enfim, essa galera toda de humanas que está acostumada a navegar pelo desconforto do novo e pelas mudanças inadiáveis. Foi essa galera que subiu no palco creatiff e chacoalhou as estruturas do Web Summit. Começando com Fred Gelli, fundador da Tátil Design, que se negou a fazer seu talk em inglês. "Estamos no Brasil e aqui se fala português", soltou em alto e bom som. Monique Evelle, investidora-anjo e fundadora do Inventivos, perguntou o porquê que creator negros ganham menos que outros creators. E, finalmente, Carol Delgado, pesquisadora e antropóloga, e Thais Fabris, consultora especializada em comunicação com mulheres, deixou ressoando no ar como que o futuro pode ser feminino se ele está sendo construído por homens? Se você já sentiu o chacoalho daí, se prepara que tem mais. Menos Inteligência Artificial, Mais Inteligência Natural Fred Gelli, em português, foi na contramão do assunto da vez no evento: Inteligência Artificial. Trouxe o conceito de Biomimética e como podemos nos dar muito melhor se começarmos a espelhar os padrões da natureza. Segundo ele, "a natureza está em processo de auto melhoria há 3.8 bilhões de anos e é totalmente open source. Inovação é uma disciplina que a natureza entende muito." A palavra biomimética vem de bio = vida, mimesis = imitação, ou seja, uma imitação consciente da genialidade da natureza para criar inovação em produtos, processos, sistemas e formas de gestão. A ideia é olhar para a natureza como modelo, medida e mentora dos nossos projetos.Ele também apontou os três princípios de criação da natureza e como estamos operando no exato oposto: 1) Otimização - a natureza é obcecada em economia de energia, então ela está sempre otimizando e melhorando processos. 2) Ciclo fechado - tudo na natureza é cíclico, nada se desperdiça. É a máxima de Lavousier "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." 3) Interdependência - não existe natureza sem a interconexão, cada um do seu jeito é essencial para o todo. E tem mais. A natureza também é uma excelente mentora de negócios. Ela realiza trocas e existe com os seguintes princípios:
Finalizando, ele chamou os designers para o maior problema a ser resolvido atualmente: desinvenção do lixo. O processo de design atual é falho, pois existe sobras e isso precisa melhorar, espelhando-se na natureza. Diversidade é mais do que ter um estande bonito Uma frase forte que Monique Evelle disse mesmo que sem associá-la ao Web Summit. Mas é claro o quanto o evento falhou em ser diverso. Toda experiência foi nitidamente pensada para o conforto dos homens, donos da grana. Nos conteúdos pouquíssimas pautas importantes de diversidade, ESG e minorias. Txai Surui, no dia 01, mesmo pontuou "eu e meu namorado somos os únicos indigenas desse evento". Os banheiros binários excluíam a diversidade de gênero (eu, inclusive, vi uma pessoa não binária precisando passar pelo constrangimento de decidir qual banheiro iria causar menos desconforto). Tudo que havia era um estande do Women in Tech no meio do pavilhão, sem nenhum esforço de conexão e promoção de pautas sobre o assunto. "Depois que o Elon Musk comprou o Twitter, houve 53% de aumento de termos transfóbicos."Bom, voltando ao conteúdo. Monique falou sobre a creator economy e o quanto ela cresce, mas ainda concentrada em públicos muito específicos. Questionou o racismo velado de marcas, agências e empresas na hora de contratar e pagar creators negros e apontou, muito corretamente, o absurdo do maior evento de tecnologia do mundo não trazer para debate a questão da PL 2630. Uma legislação importante que está em vias de votação e que pode impactar a forma de remuneração de creators e exigir mais transparência e proteção para usuários dos grandes canais digitais. Quem segura o mundo não é um robô. É uma pessoa que sangra. Foi com essa frase potente que Carol Delgado relembrou a todos que o sistema atual de mundo só está de pé por conta de muitas mulheres. Quem segura o mundo são as mães, todas as mulheres da economia do cuidado, indígenas e mulheres do campo que estão preservando as florestas, mulheres trans que estão nos forçando a ampliar o conceito de gênero. "Se isso não é inovar, eu não sei o que é", complementa Thais Fabris. "Estamos apostando na ideia de futuro de homens brancos ricos" A ideia central de toda a conversa com Thais e Carol foi questionar a frase "o futuro é feminino", quem são as mulheres que estão construindo esse futuro e se estamos realmente buscando esse futuro possível ou apenas aceitando um futuro que homens brancos ricos estão construindo por nós. Depois de tudo isso nesse último dia de Web Summit eu não tenho nem mais o que dizer! Despeço do evento com uma ideia muito clara: minha tribo é a dos creatiff.
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O segundo dia de evento seguiu com muito debate acerca da Inteligência Artificial, mas trouxe dois novos palcos mais focados na estruturação das startups. No palco Saas Monster vimos muitos cases de sucessos e empreendedores da área detalhando o caminho das pedras para performance de vendas, desenvolvimento de produto e uso da AI em Saas (software as a service). Tivemos ainda o palco FullSTK com tendência tecnológicas focadas no público desenvolvedor. E, finalmente, o palco Growth Summit que teve pitchs de startups, de todos os lugares do mundo, resolvendo os mais diversos desafios de mercado.
Dá para metrificar o seu product market fit? Product market fit é o quanto o seu produto ou solução tem match com a demanda de mercado. Em outras palavras, é quando você encontra seu cliente ideal, que enxerga valor no que você entrega, está disposto a pagar por isso e você vê sua receita crescer. Rahul Vohra, founder da Superhuman, já vendeu uma startup para o Linkedin e hoje está em fase de validação do seu novo negócio. Nessa jornada, ele implementou um modo de alcançar e acompanhar o product market fit que gerou ótimos resultados. O método começa com uma pesquisa simples, de uma só pergunta e três respostas possíveis. É o Must Have Score. Como você se sentiria se não pudesse mais usar nossa solução?
"Ask your users how they´d feel if they could no longer use your product. The group that answer 'very disappointed' will unlock product/market fit."Ao realizar essa pesquisa com algumas empresas como Slack, ele descobriu o número mágico: 40%. Segundo Rahul, empresas com um market fit adequado costumam ter no mínimo 40% de resposta na letra A, ou seja, se 40% da sua base de usuários responder que não viveria sem a sua solução, então você encontrou o seu market fit. E se você ainda não chegou nesse número mágico, basta aprofundar no entendimento do perfil de quem respondeu "muito desapontado". Depois, defina o perfil de cliente das outras respostas. Quem respondeu C, dificilmente será um target potencial para o seu negócio, mas é estratégico entender essa persona para melhor identificar onde estão quem mais verá valor no seu produto. Indico você dar uma olhada no link complementar no final desse artigo. Ele tem detalhado os próximos passos desse processo. O seu dinheiro está seguro diante da revolução da Inteligência Artificial? Uma pergunta potente guiou a conversa com a Trish, founder da Unit21 especializada em fraudes digitais. Diferente de outras palestras, esse papo foi uma roda de conversa que contou a participação de representante da Porto Seguro e do Banco do Brasil. Foi muito rico ouvir todos os pontos de vista de forma mais colaborativa. O maior ponto reforçado por Trish é que precisamos pensar como quem pratica as fraudes. Os crimes digitais estão cada vez mais sofisticados e ainda existem marketplaces onde ´fraudsters' vendem entre si golpes validados. Desde envio de e-mails falsos até vazamento de dados, ficou muito claro que o Brasil dá aula para os gringos de como ser criativo na arte de usar a tecnologia para roubar dinheiro. Se o cenário de segurança nesse sentido estava complexo, com a evolução da Inteligência Artificial os golpistas terão mais ferramentas de trabalho (se é que podemos chamar assim). Bancos e outros negócios têm evoluído seus sistemas de segurança, por exemplo, incluindo face ID e biometria, mas com as deep fakes e a Generative AI, é fácil imitar o perfil de alguém na internet. Como as empresas se protegem disso? Trabalhando a segurança de uma forma mais preditiva e não reativa através da Inteligência Artificial, a mesma tecnologia que pode ajudar um golpista também pode garantir a segurança do seu dinheiro. Como? Com monitoramento de dados do usuário somados a AI que seja capaz de apontar padrões estranhos na jornada de uso. Mais uma vez o monitoramento de dados e a capacidade de interpretar e agir em cima deles parece que vai salvar o mundo. Três caminhos para prevenção de fraude: 1) Visão holistica do comportamento de uso dos clientes e usuários. 2) Uso da Inteligência Artificial para monitoramento dos padrões de comportamento. 3) Educar as pessoas sobre como identificar potenciais fraudes. O futuro da identidade: passwords VS passkeys Outro momento interessante do palco Saas Monster foi a jornada futuro dos usuários em relação ao cadastro e onboarding em novas experiências digitais. O antigo password vem se tornando cada vez mais inseguro e em breve teremos uma carteira digital de passkeys mais segura. Matias Woloski e Damian Schenkelman, da Auth0, mostraram o quanto a identificação por imagem para loggins e outras tecnologias serão importantes para garantir a segurando dos dados pessoais. Por exemplo, ao se cadastrar em uma nova plataforma você irá abrir sua carteira de passkeys, liberando-a por biometria ou face ID. O mesmo vai valer para os dados de cadastro. Hoje digitamos informações pessoais sem garantia de que estamos realmente informando dados corretos e reais. No futuro, a mesma carteira de passkeys também armazenará dados pessoais verificados que você irá compartilhar com a plataforma após validação de veracidade. Nesse novo cenário, o seu celular vai passar a ser sua ponte de acesso a todos os canais digitais que você usa. Hypergrowth Apenas um insight breve: parece que o "growth" não é mais suficiente para a tamanha urgência de crescimento das empresas. A palavra do momento, presente em muitos dos talks, é o Hypergrowth. A pergunta que ressoa na minha cabeça é uma só: será que um crescimento astronômico rápido pode ser um crescimento de longo prazo, mais perene e sustentável? Dia 03 Hoje começa o último dia do Web Summit e meu foco estará no palco Creatiff, com conteúdos sobre design, arte e como a tecnologia se cruza com tudo isso, além da Sonia Guajajara que estará presente no palco central. Amanhã trago tudo que vi de novo para você. - Até breve. Inteligência Artificial, Ancestralidade e o futuro do Marketing no Web Summit Rio 2023 - Dia 018/4/2023 Ontem começou no Riocentro o primeiro Web Summit em terras brasileiras. Antes mesmo de pisar no evento era nítido entre as temáticas de palestras o assunto da Inteligência Artificial. É o tema da vez, é a área da tecnologia que mais vai crescer nos próximos anos e que mais irá impactar o mercado e o nosso dia-a-dia.
Chelsea Manning, Security Consultant at Nym, iniciou o dia em um papo com Leo Schwarts da Fortune. Diante de pergunta de um milhão de dólares sobre como vamos proteger nossa privacidade diante da AI e de quem seria essa responsabilidade, ela foi bastante esquiva. Deixou a entender que quem cria a tecnologia deveria se preocupar com isso e não necessariamente órgãos públicos. Leo, muito perspicaz, questionou como que os interesses de lucro dessas pessoas poderiam garantir essa proteção, então ela foi ainda mais longe e jogou a responsabilidade para nós, usuários. Disse que existem muitas ferramentas disponíveis de proteção de dados e privacidade que podemos incluir em nossas rotinas, apesar delas não serem tão user friendly. Na minha visão, a privacidade e muitas outras questões em torno da AI não pode ser resolvida apenas com isso. Acredito, sim, que é muito importante termos informação e conhecimento acerca de como nos proteger. Mas indivíduos sozinhos não têm o poder de influenciar decisões dessa magnitude, apesar de acabarem pagando o preço. Estamos vendo tudo isso, na prática, com a PL 2630. No fim do dia, Cassie Kozyrkov, Chief Decision Scientist do Google, trouxe um conteúdo mais didático sobre o assunto. Demonstrou que a revolução da Inteligência Artificial não é uma disrupção tecnológica, mas de design. AI já existe entre nós há muito tempo nas sugestões de conteúdo customizada do Netflix, por exemplo, e em basicamente todos os produtos Google. A diferença é que estavam no background, como um meio de melhorar uma experiência. O salto que vimos com ChatGPT e outras AI é o de chegar diretamente ao usuário e isso muda tudo. Ela reforçou muitas vezes que AI também é uma revolução de comunicação. Txai Suruí, Amazônia e o ESG Txai é ativista e guerreira indígena do povo Paiter Suruí. Esteve presente na COP26 e COP27 e iniciou a conversa com um dado importante: "os povos indígenas representam 5% do povo brasileiro e preservam 82% da floresta Amazônica". Como pode algo tão importante para o momento do planeta ter apenas os povos originários como guardiões? A resposta para isso tem muito de cultura e ancestralidade. Txai falou muito sobre o futuro é ancestral. Que todos os valores e aprendizados que ela carregou de seus antepassados sobre a floresta e cosmologia do mundo, é seu ponto de partida para construir o futuro e manter a floresta viva. Para o povo Paiter Suruí a árvore, por exemplo, é sagrada. É mais do que a pegada de carbono de alguma empresa, é de onde vem toda a sua história. Sobre tecnologia, a frase que mais me marcou foi essa: "meu avô usava uma flecha para se proteger, eu uso a tecnologia". Como ela usa as techs para preservar sua cultura e a floresta? As redes sociais são para potencializar e construir as narrativas de identidade, desconstruindo os preconceitos em torno da imagem indígena. Além de ativista, ela é produtora audiovisual e teve uma de suas produções no long list do Oscar. Citou também o monitoramento via satélite, feito por um app, que alerta para desmatamentos, queimadas e outros crimes ambientais. Comentou também como Drones ajudam nessa missão, mas que o acesso a essa tecnologia ainda depende de recursos que não são fáceis de conseguir. "O mesmo satélite que usamos para preservar a floresta, os invasores usam para destruir".Sobre acesso, ela disse em alto e bom-tom "eu e o meu namorado ali, somos os únicos indígenas desse evento". Infelizmente, debates sobre inovação ainda são feitos por um recorte muito específico da sociedade. O problema disso é que acaba construindo uma realidade que resolve as questões para alguns, e não para todos como deveria ser. É aqui que entra uma das minhas maiores críticas em relação ao evento: o ESG. Essas três siglas é mais do que a oportunidade do momento para as empresas. O ESG é a ponte que pode atravessar esses isolamentos e unir interesses de uns para pensarmos os problemas de todos. O assunto teve pouco protagonismo na grade de conteúdos do Web Summit e isso precisar urgentemente ser revisto para 2024. O Futuro do Marketing com a AI Neil Patel, referência mundial em Marketing Digital, marcou presença em 40 minutos do evento, mas deixou uma grande profundidade de insights. O mais óbvio deles é o quanto a autenticidade e criatividade em conteúdos será cada vez mais um diferencial diante de Inteligências Artificiais e um mercado muito barulhento. Depois ele listou as duas áreas nas quais a AI vai mudar o marketing para sempre: 1) Personal Analytics - a Inteligência Artificial irá mudar radicalmente a forma de ler dados de marketing, monitorá-los e usá-los de forma mais ágil para melhoria de desempenho e resultados. Ele citou que o maior desafio de grandes investidores de mídia digital é a eficiência. Que existe muita grana que escorre pelo ralo devido à demora em ler o desempenho de uma campanha ou anúncio, e alterar a rota se for preciso. AI vai mudar isso. 2) Project Magi - Depois ele citou o projeto do Google e em como ele vai mudar radicalmente a forma que buscamos por algo na Internet. Com uma navegação baseada em AI, ela se tornará mais conversacional e você poderá encontrar o que busca, avaliar o produto e efetuar a compra sem sair da mesma tela. O Google deixará de cobrar por palavra-chave e poderá cobrar por transação ou conversão. As três áreas mais promissoras para VCs Entrando no universo das Venture Capitals (investidoras de startups), Magnus Grimeland da Antler, trouxe uma visão geral das grandes revoluções tecnológicas, que se tornaram grandes oportunidades para investimentos, e lançou as próximas três áreas mais promissoras: 1) Inteligência Artificial 2) Climatech 3) Deeptechs Ele ressaltou muito o quanto o Brasil é uma das melhores oportunidades de investimento em startups no mundo nesse momento, e que o perfil do founder brasileiro carrega muita paixão e ambição, o que eles buscam muito. |
Fabi Soares
Já desenvolvi mais 1000 empreendedores desde 2015, quando troquei meu trabalho formal na publicidade para empreender. Sou TEDx speaker, Mentora Angelus Network e fundadora da EFE LAB e da Mooca. ⌕
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